quarta-feira, 5 de maio de 2010

Gilgamesh II – início, meio e fim.

por juniores rodrigues

Jim Starling é conhecido por ter o dedo certo para sagas cósmicas, tendo trabalhado tanto para a Marvel quanto para a DC Comics, em títulos como Batman, Superman, Justiceiro, Vingadores, entre muitos outros. Destacaremos do conjunto de seu trabalho a minissérie Gilgamesh II, de 1989. Se você está se perguntando ou foi pesquisar no oráculo pela primeira parte dessa história, provavelmente vai ficar um pouco confuso, pois Gilgamesh II é mesmo uma obra única, sem prévias e sem sequências. Bem... é mais ou menos isso. Pelo menos no que diz respeito ao quesito prévia, uma vez que o "II" do título se refere à Epopeia de Gilgamesh, rei de Uruk, na Mesopotâmia, que seria anterior às epopeias homéricas, sendo considerada uma das mais antigas referências ao dilúvio (bíblico), embora tenha sido descoberta apenas “recentemente” na história do mundo. Essa epopeia narra a história do rei Gilgamesh, parte homem parte deus, e sua busca de respostas para a questão da vida eterna, busca iniciada pela interrupção da forte amizade que o rei mantinha com Enkidu, seu parceiro de aventuras.

Com essa breve descrição da primeira “edição” de Gilgamesh, passamos ao texto/traço de Starling. Situada para algum ponto além dos anos 70, a história tem início com o fim de uma raça, isto é, com sobrevivência de apenas dois espécimes machos de uma raça alienígena que se vê obrigada a abordar a terra, sendo derrubada por uma arma nuclear americana. Isso por si só já dá a tônica do pano de fundo inicial de Gilgamesh II, a Guerra Fria. E é utilizando esse conflito que Starling torna verossímil a ascensão desse “semideus” entre os homens. No melhor estilo Arthur Clarke de “limpar” de suas histórias os modelos políticos e econômicos do século XX, Starling “resolve” os problemas do mundo, após longa e sangrenta guerra, através do controle corporativo, capitaneado pelo seu melhor guerreiro, aquele que se torna o Presidente Gilgamesh.

Resolvendo essa questão, Starling pode introduzir em sua história elementos de alta tecnologia, o que ajuda a conferir ritmo à trama, aliados a um traço minimamente realista, limpo, conciso, com cores fortes, condizentes com uma aura de mundo avançado, com destaque para o que realmente importa. Desse modo, batalhas dignas dos épicos têm seu lugar nessa minissérie, devidamente registradas por um forte aparato midiático. Se o toque sci fi permance inconcluso em suas possibilidades, a abordagem da mídia e seu modus operandi, por vezes aliada a interesses escusos e imorais, é bem destacada por Starling e parece permanecer nesses mais de vinte anos que sucederam essa publicação.

Assim, totalmente pleno de realizações e tendo o controle do mundo corporativo, apesar da constante presença de sua controladora mãe adotiva, Gilgamesh vê seus dias passarem imersos no tédio a que os “deuses” estão sujeitos quando o mundo aprende a caminhar sem eles. Mas é do ardiloso mundo corporativo que virá novamente a aventura para sua vida. Em missão nas florestas da América do Sul, o presidente conhece Otto, único ser capaz de se igualar a ele em força, descobrindo posteriormente o parentesco entre os dois (a cruel ironia do destino). Amizade firmada, é o veneno corporativo que também vai tirá-la da vida de Gilgamesh, o que o faz iniciar a busca de um sentido maior para a existência e mesmo a possibilidade de seu controle. O presidente parte então para o grande vazio que consumiu a URSS e a Europa Oriental, mergulhando nele em busca de respostas que talvez nunca possa obter.

Dramática e envolvente, Gilgamesh II faz a ponte entre o início de nossas mitologias, passando pelos medos do presente (1989, a Guerra Fria e o caos atômico iminente), com o possível fim da vida humana na Terra, não sendo só uma história de aventura, mas também um aceno para o interior de todos nós, das nossas incertezas e medos, sobretudo o medo inconfessado da impotência diante do “destino final” escrito para cada um de nós.

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