segunda-feira, 17 de maio de 2010

Maus, Art Spiegelman

por Fernanda Friedrich

"Estou pensando no meu livro... É pretensioso da minha parte.

Quer dizer, não consigo nem entender minha relação

com meu pai...Como eu vou entender Auschwitz?...

Ou o Holocausto?... É muito esquisito tentar reconstruir

uma realidade pior do que os meus sonhos mais

pavorosos. E ainda por cima em quadrinhos!"


Maus é, antes de tudo, um desafio. Não tanto pela dificuldade de leitura (uma vez que os nomes poloneses e alemães são assimilados, a leitura é bastante agradável se não levarmos em conta os fatos relatados durante a história), mas pela pretensão do autor em tentar narrar o inenarrável, como julgou uma vez Walter Benjamin: a experiência do Holocausto. Um desafio belamente superado, diga-se de passagem: Art Spiegelman ganha o Prêmio Especial Pulitzer um ano após a publicação do segundo volume de Maus, em 1992 e sua obra continua a suscitar reflexões, seja entre os entendidos de literatura, de história ou de artes, sendo um sucesso de crítica.

As primeiras publicações de Maus (que significa rato, em alemão) tomaram corpo na revista RAW entre 1986 e 1991, revista de quadrinhos e artes gráficas de vanguarda co-fundada e editada por Art Spiegelman. Maus narra a experiência vivida pelo pai de Art, Vladek Spiegelman, um judeu polonês, durante a Segunda Guerra Mundial. O casamento com Anja, filha de uma família judia rica, os primeiros contatos com o nazismo, o início da guerra, a separação, morte e desaparecimento de familiares, as dificuldades vividas em Auschwitz e o reencontro com Anja no campo de concentração, o fim da guerra e as conseqüências dessa experiência na vida dos judeus, tudo isso é transmitido para Art através de entrevistas ocorridas durante visitas à casa de seu pai com o objetivo de publicar um livro. A seguinte afirmação é um clichê, mas é uma história realmente emocionante, especialmente por ter sido transmitida em detalhes por alguém que foi vítima e herói, vivendo toda a experiência catastrófica do Holocausto de perto.

A maneira que Spiegelman retrata os personagens é bastante interessante: estadunidenses são cães, poloneses são porcos, alemães são gatos e judeus são ratos, fazendo uma referência às propagandas nazistas da época. Esse recurso fez com que a publicação da grafic novel na Polônia fosse adiada algumas vezes; é interessante, porém, notar que nas cenas em que judeus se disfarçam de poloneses ou em que o próprio Art Spiegelman aparece durante o tratamento com seu psicanalista (judeu sobrevivente ao holocausto) todos estão de máscaras, ou indicando sua origem, ou mascarando-a.

Além desses detalhes, são palpáveis os problemas de Art para conviver com seu pai, um judeu racista e avaro, com dificuldades extremas para se relacionar com quem quer que seja. Alguns anos depois de terminar a guerra, Vladek e Anja foram pais novamente (seu primeiro filho, Richieu, morreu durante a guerra): Art nasceu e, dez anos depois, Anja se suicidou. Vladek se casou novamente com uma sobrevivente do Holocausto chamada Mala, com a qual tinha um relacionamento bastante complexo: enquanto que ela não agüentava as pressões de Vladek, a necessidade de guardar “tralhas” (pois elas poderiam ser úteis um dia) e de gastar pouco, Vladek a considera uma mulher gastadeira que estava apenas atrás de seu dinheiro – o que se prova verdadeiro de certa forma, porque ela o abandona e “limpa” a conta bancária dos dois, apesar de voltar para cuidar de Vladek quando esse adoece. Com Art, Vladek age da mesma forma, afirmando que seu filho não sabe valorizar o dinheiro, o que faz com Art seja relativamente intolerante com suas obsessões e seus problemas, dificultando o relacionamento entre dois. Além disso, Spiegelman tem seus próprios fantasmas em relação à guerra: durante as confissões com sua namorada, Françoise, Art relata que, quando jovem, imaginava situações em que tinha que escolher qual de seus pais sobreviveria à guerra, bem como a respeito da maneira que enxergava seu irmão mais velho: enquanto Richieu era o retrato do filho perfeito, Art era o filho que errava, que decepcionava, vivendo à sombra da imagem de seu irmão. Tão difícil quanto sobreviver à guerra é sobreviver depois dela: as possibilidades, os traumas e as vitórias sempre retornam para assombrar os sobreviventes e seus descendentes.

Ler Maus é uma experiência interessante e dolorida. Tem seus momentos divertidos e engraçados, muitos por conta dos problemas de comunicação entre Vladek e Art, mas, possivelmente devido ao fato de retratar um dos momentos mais embaraçosos da humanidade, suscita uma nostalgia incômoda, pois as lembranças de Vladek, de certa forma, ultrapassam a barreira das páginas e passam a fazer parte do leitor. Quando ouvi falar de Maus pela primeira vez – uma história em quadrinhos ambientada na Segunda Guerra mundial, com ratos representando judeus e gatos representando alemães -, confesso que não tive muita vontade de conhecer; me pareceu pretensioso demais. Mas Spiegelman traduz as experiências de seu pai de maneira tocante, mas nada piegas, fazendo com que a história se torne interessante a cada virada de página.

sábado, 15 de maio de 2010

Do sofá!: O soldado mais dançante

(Do sofá! seção off topic sobre vídeos, filmes, tevê e o que mais o fim de semana possa (nos) oferecer)

por Jonas Tenfen

Em uma batalha, há pouco tempo para pensar em algo mais do que matar o inimigo antes que ele “logre êxito”. Nos intervalos dos tiroteios ou nas eternas esperas em trincheiras e tocaias, o tempo, tão parco, tão fugidio, parece se dilatar, parece encerar-se no único propósito de esmagar a sanidade dos soldados que começam a sofrer pelos remorsos, lembranças e feridas de outras espécies.

É muito comum encontrarmos na vasta obra de Érico Veríssimo combatentes enfrentando seus pensamentos enquanto acalentam os rifles a espera da peleia. O primeiro volume de O tempo e o vento, que se chama O continente, se passa durante uma noite e quase cem anos: na noite mais longa do ano, a de São João, a família Cambará está sitiada no seu sobrado, aguardando um novo ataque: assim os personagens, para passar o tempo e suportar o vento, se entregam às lembranças, e, assim, entendemos os porquês e comos da situação apresentada.

Seja com clavas ou naves interplanetárias, todas as guerras são absurdamente parecidas, todos os soldados são iguais: alguns são pais, outros irmãos e tios; alguns são ricos, muitos são pobres; alguns buscam aventura, outros fortuna; mas todos são filhos. O que parece diferenciá-los, ou melhor, o momento em que é possível de fato perceber as diferença é quando as armas cessam, mesmo que momentaneamente.

O jogo dos Quatro Quatros foi criado por soldados ingleses nas suas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto aguardavam a ordem de ataque, soldados brasileiros em treinamento para a Segunda Guerra mundial, capturaram uma cobra e estavam dispostos a fazerem-na fumar (assim reza a lenda que conheço); de fato, uma atitude politicamente incorreta em treino àquilo que nos é ensinado como o mais politicamente correto, mas, salvo engano, a guerra é mais prejudicial à saúde que o cigarro. Falando em fumaça, no filme Platoon (de 1986), os soldados americanos no Vietnã espantavam as moscas e o tédio fumando maconha – entre outras coisas. Estes exemplos são mais ou menos datados, mas apostas entre soldados, esportes idiotas (quem cospe mais longe, por exemplo), avacalhações com os novatos e a partilha de sonhos e realidades sempre serão remédios corriqueiros para evitar a loucura e o desespero (se evitáveis, diga-se). Às vezes, os soldados até treinam... às vezes.

Um ótimo filme pautado mormente nesse tipo de espera é Soldado Anônimo (o título original é Jairhead, que, em uma tradução literal, seria Cabeça de Cuia), segue o trailler e uma cena emblemática:


Essa longa introdução tem seu objetivo: uma tentativa de explicar, ou mais modestamente, comentar um dos maiores sucessos das duas últimas semanas (a fama é cada vez mais efêmera) no youtube: Soldados Dançantes no Afeganistão parodiando o videoclipe Telephone, de Lady Gaga e Beyoncé. O clipe original é um mini-filme de nove minutos, um pastiche recheado de humor-negro e penteados (estes mais engraçados que aquele).

Parte da vida profissional de Lady Gaga foi fazer músicas para a Britney Spears, segundo dados do Oráculo Melhorado, a Wikipédia. Essa informação não torna o mundo um lugar melhor, mas explica muita coisa. Apesar dos sucessos monstruosos no Youtube (nenhum vídeo, até hoje, foi mais assistido que Bad Romance), Lady Gaga conseguiu fazer o impensável, o impossível: piorar o pop. Ela não é sequer mais do mesmo, é menos, muito menos, de coisa alguma. A melhor coisa da obra de Lady Gaga – desde o que já conhecemos ou o que está por vir – são as paródias dela e, aqui, ponto para os Soldados Dançantes. O clipeTelephone, de Gaga, termina com os estilosos dizeres To be continued... Basta saber se isso é uma promessa ou uma ameaça.

É claro que não poderíamos esperar a leveza de bailarinos do bolshoi ou a ginga de Carlinhos de Jesus, afinal, antes de Dançantes, são Soldados. E, como manda a rígida etiqueta militar, os cabelos estão sempre bem aparados, o que impossibilita penteados à la Gaga. Os cenários, ao que tudo indicam, são dois: um alojamento e uma garagem, que, ambos dentro de um campo militar, não se afastam tanto assim de uma penitenciária.

Os Soldados Dançantes levam a sério o convite que lhe foi feito: Enjoy the Army. Faltam-me informações para saber se são do exército, mas mesmo que sejam da marinha, o convite é semelhante: Enjoy the Navy. Aproveite, deguste, enjoy. Eles são os melhores dos melhores, treinados e selecionados durante os mais sádicos testes e provações para, agora, alcançarem a glória suprema dos dias de hoje, enquanto aguardam a glória eterna de terem vencido uma guerra: se tornar um viral na internet (e sem ser em uma fail compilation).

Entre passos elaboradíssimos e coreografias ímpares, o grande destaque do vídeo é o Soldado Mais Dançante, o único que faz participação solo. A situação no Afeganistão está muito longe de ser resolvida, mas, ao que tudo indica, a dança da vitória está muito bem ensaiada.

PS: não é sem uma certa ironia que podemos analisar os Soldados Dançantes ao som das seguintes palavras: Hello, hello, baby, you called, I can't hear a thing / I have got no service in the club, you see, see / Wha-wha-what did you say? Oh, you're breaking up on me / Sorry, I cannot hear you, I'm kinda busy / K-kinda busy, k-kinda busy / Sorry, I cannot hear you, I'm kinda busy

Ganhador da HQ do Calvin e Haroldo, A vingança da babá.

Olá, pessoal, foi anunciado no post anterior que o resultado da nossa promoção estaria atrelado ao sorteio 4449 da Loteria Federal deste sábado (15/05) e, por mais que as possibilidades estipuladas parecessem exageradas, o ganhador saiu somente no 3º prêmio da Loteria, o bilhete nº 20.933, ficando então a HQ do Calvin para @cinejornal, nona posição da nossa lista.

Em breve, novas promoções lançadas pelo @cultura_hq

Novamente, agradecemos a tod@s que repercutem a Cultura HQ!

Equipe Cultura HQ!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Promoção HQ Calvin e Haroldo!


Segue a lista dos que concorrem a HQ do Calvin e Haroldo, A vingança da babá:

01 - @AkaGuto
02 - @alive75
03 - @amanda_mag
04 - @amolets
05 - @Bialucky
06 - @brincher
07 - @CatiaFernanda
08 - @caradesorte
09 - @cinejornal
10 - @cucoliquio
11 - @DellMoraes
12 - @ehpromotodentro
13 - @fatimatrodo
14 - @giselefagundes
15 - @greengirltalk
16 - @guga_magno
17 - @Horenhein
18 - @katitaroll
19 - @lamaringoni
20 - @Lara26sp
21 - @lepetitpromo
22 - @Lindababy007
23 - @manuscdasombras
24 - @Misteriouskin
25 - @ninakopko
26 - @nomemarcos1
27 - @sCalvin13
28 - @Spinosa01
29 - @thiagocurtis
30 - @thiagofaride
31 - @tstille
32 - @virginiaemike

Pensando numa forma justa de realizar o sorteio, decidimos fazê-lo pelos dois últimos números do sorteio principal da Loteria Federal deste sábado, 15/05.

Caso não saia um ganhador, procederemos da comparação do quarto e terceiro dígitos, do terceiro e segundo dígitos, do segundo e primeiro dígitos do sorteio principal (cada prêmio da Federal tem cinco dígitos).

Se ainda assim não sair um ganhador, vamos ao segundo, terceiro, quarto e quinto prêmios, até sair.

Complicado e burocrático, talvez, mas faz valer mesmo a sorte de cada um.

Obrigado a todos que repercutem a Cultura HQ!
Em breve nova promoção!

BOA SORTE!!!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Gibi: um termo em extinção?

por juniores rodrigues

Outro dia me dei conta que há anos não usava a palavra gibi para me referir às histórias em quadrinhos. E quando essa palavra saiu, saiu com um gosto estranho, quase arcaico, como se evocasse uma entidade há muito perdida ou esquecida. E realmente podemos observar que, atualmente, quem utiliza o termo está quase passando ou já passou da casa dos 30. O que eu noto (e aqui vai um dado nada comprovado, vindo somente de minhas parcas observações) é que, na maioria das vezes em que o termo é usado, há um tom pejorativo que o acompanha. Será isso uma manifestação apenas dos “mais velhos”? Talvez. Porque talvez a palavra gibi ainda esteja vinculada aos tempos em que essa modalidade era pensada ou considerada uma “arte menor”. O passar dos anos vem provando que as histórias em quadrinhos superaram esses preconceitos e se consolidaram como uma arte respeitável e mesmo inspiradora para outras artes, sobretudo no âmbito da cultura pop, tornando-se, além de objetos de fruição, ferramentas para o Ensino e “formação” do homem.

Voltando ao termo gibi, decidi ir mais a fundo em sua história e acabei descobrindo coisas interessantes. Uma delas é que se o termo soa preconceituoso nos dias de hoje isso tem a ver com sua origem mesmo. O caso da palavra gibi, a princípio, parece ter a ver com aquelas metonímias “inexplicáveis”, explicadas pelo sucesso de uma marca que se torna sinônimo de determinado produto, como é o caso de bombril, gillete e outros produtos.

A expansão do uso do termo ocorreu com o lançamento de revista Gibi, em 1939, pelo Grupo Globo. Na capa das edições, ao lado da destacada palavra Gibi, estava o desenho de um menino negro, também detentor da significação do termo, como podemos averiguar no Dicionário Houaiss:

gibi

Substantivo masculino

Regionalismo: Brasil. Uso: informal.

1 garoto negro; negrinho

2 publicação em quadrinhos, ger. infanto-juvenil

Etmologia: orig. obsc.

Segundo o professor Christian Arnold Leite, o termo gibi surgiu “com a revista Gibi, em 12 de abril de 1939, pelo editor e proprietário Roberto Marinho, através do jornal O Globo. O logotipo da revista era o menino negro no alto da capa falando, em algumas vezes, a palavra “Pelé”. Este termo, gibi, também é descrito como “um negro de traços grosseiros e rudes”.”

Interessante notar que mesmo a origem etimológica da palavra é dada como “obscura” pelo dicionário Houaiss, fato que torna ainda mais interessante essa cadeia de possíveis relações entre a origem e sentido (fim) imaginado e, sobretudo, aquele obtido, ainda que involuntariamente. A palavra que dá título a uma publicação da qual sua própria definição é excluída não tem também origem rastreável, tornando a exclusão uma ação permanente, suspendendo o excluído numa espécie de limbo, sem direito a réplica, como se, desde sempre, os gibis do nosso mundo estivessem com seu destino traçado, sem possibilidades de mudança.

Pondo a questão do preconceito racial e/nas HQs um pouco de lado (mas deixando aqui a entrevista do professor Christian Arnold Leite como exemplo de discussão da questão da representação dos negros em HQs), é interessante pensar o que o termo gibi inspirava e o porquê de seu uso para encabeçar uma publicação de quadrinhos. Por que associar a publicação de tiras de aventuras à imagem de um garoto negro? Podemos imaginar que nessa época (somente?) a imagem de um garoto negro como a que estampa a revista devia inspirar um mundo de possibilidades ligadas ao imaginário acerca dos negros e de suas especificidades e características culturais. Quais as expectativas em relação aos negros tão pouco tempo após a abolição? Qual a situação das famílias e das crianças negras de então? Qual seu lugar após as “limpezas” urbanas, como a de Pereira Passos no Rio de Janeiro? Onde o negro transita e a que(m) serve? Como reagir quando o Quilombo passa a ser favela?

Provavelmente, a representação de um menino negro devia bater com a de um “desocupado”, talvez um traquina, um espírito renegado, mas “livre”. E essa liberdade talvez fosse o que se buscava associar ao que era publicado, um mundo de aventuras, diferente daquele em que vivia o público leitor, que provavelmente não incluía meninos negros. Também cabe ressaltar que se hoje nos soa estranho essa denominação e suas implicações (o radar do politicamente correto ligado a cada esquina...), à época, pelo fato de se tratar de um produto, o uso do termo deve ter se dado em consonância com a mentalidade reinante, ou seja, era condizente com as expectativas e com a visão de mundo dos consumidores de então. Visão essa que colocava o negro como mero coadjuvante nas histórias de heróis (brancos), quando muito, pois não raro eles são representados como selvagens cuja única determinação é se alimentar de presas indefesas e dos heróis, quando esses são capturados em alguma armadilha. Por essa época, estava longe ainda o tímido protagonismo de personagens negros que vemos hoje. Indo por outra via, podemos até supor que o uso de um menino (negro) como chamariz de uma revista de quadrinhos buscasse alguma reminiscência do Menino Amarelo (Yellow Kid), considerada a primeira história em quadrinhos, apesar das controvérsias. Enfim, crianças cativam! E um menino negro e toda a carga de mistério que pode haver em seu entorno também pode ter um efeito catalisador nas intenções do leitor de viajar por esse universo que se desvenda a cada página.

Conjecturas à parte, a ambiguidade do termo prevaleceu e, por anos, o gibi foi visto como uma produção menor, como “coisa de criança”. A superação dessa condição parece ter abolido ou estar abolindo também a utilização do termo. Hoje, temos as histórias em quadrinhos sendo largamente publicadas no Brasil (não da forma ideal talvez), nos apropriamos de termos como mangá, graphic novel e mesmo arte sequencial (ara honrar o mestre Eisner) e no nível universitário seus conteúdos e suas metodologias são temas de inúmeros trabalhos acadêmicos, dissertações e teses.

Não serei ingênuo também de não “perceber” que as HQs se estabeleceram como item de mercado que, como todo produto bem sucedido, se expandiu, seguindo e criando demandas, sejam as de crianças, jovens ou adultos ou mesmo as dos pesquisadores. Talvez, não de modo direto, continuem não sendo voltadas, cultural e financeiramente, aos “gibis” da atualidade. E talvez os leitores de hoje ainda continuem sonhando com aquele mundo que, supõem-se, apenas os negrinhos desgarrados, com suas feições rudes, podem penetrar.

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Sobre a Revista Gibi e sua vidas, vale a pena conferir:

Gibi Semanal

Histórias que não estavam no gibi

segunda-feira, 10 de maio de 2010

PESSOAS QUE DEVERIAM VIRAR HQ: TIM MAIA

por Jonas Tenfen

A vida de cada um daria um livro ou filme ou novela ou – por relação à temática do nosso blog – uma HQ. Não é a vida de todos (com alguma crueldade, posso afirmar de qualquer um, incluindo aqui a minha própria) que seria sucesso de público. É triste, mas é verdade...

Por sua vez, há algumas vidas tão ímpares, tão intensas que mesmo em uma biografia ou filme (ou etc) medíocres seriam um sucesso, garantiriam gargalhadas, lágrimas, as duas...

E, é claro, a primeira sugestão de uma pessoa que deveria virar um HQ é Tim Maia: um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos. Dono de uma voz inconfundível e de um humor oscilante, Tim Maia fez tudo como bem entendeu e desejou: muitos méritos tem por isso, muitas críticas também.

Alegava que foi professor de música de Roberto e Erasmo Carlos. Verdade absoluta ou parcial, os três, de fato, participaram de uma mesma banda na adolescência. Não é qualquer um que pode dizer por aí que ensinou o Rei a tocar violão (Rei à brasileira, mas, mesmo assim...)

As aventuras de Tim Maia nos EUA são um tratado sociológico sobre o frio, uma incursão cultural sobre a arte de vestir. Ali, depois de sair da casa dos seus protetores, precisou enfrentar a fome cotidianamente. Nada mais prático para isso do que as mil e uma funções dos imensos bolsos dos casacos de frio, melhor dizendo, as mil e uma coisas que ali dentro podem caber. Descoberto, foi convidado para um intercâmbio em uma penitenciária dos EUA, antes de ser extraditado.

E a imensa coleção de frase do mestre? Sobre segurança: “ô Gilsomendonça, o chinês é que é esperto. O chinês inventou o jiu-jítsu, o judô, foi misturando com caratê, artes marciais, defesa pessoal, e acabou inventando a pólvora. E depois fez logo o revólver, que ele não é maluco, mermão!”; sobre a economia mundial e a solução para as crises: “O mundo só vai ficar melhor depois de terminar o dinheiro. Porém, que não me falte nenhum enquanto ele não terminar.”; sobre seus hábitos: “Não fumo, não cheiro e não bebo, mas às vezes minto um pouquinho.”; sobre suas preferências: “Eu to aqui fazendo esse show para a Brahma, mas eu gosto mesmo é de um guaraná Antarctica.” E, como encerramento deste rápido compêndio, a clássica das clássicas, sobre a univocidade desta terra chamada Brasil: “O Brasil é o único país onde, além de puta gozar, cafetão ter ciúme e traficante ser viciado, pobre é de direita.”

Tim também teve seus problemas por causa das drogas. Usuário contumaz, apenas na infância e quando fez parte do Universo em Desencanto, que não queimou os seus bauruetes ou cheirou pó. Muito generoso, chegou a distribuir ácido (quando esse era ainda uma novidade no Brasil) em todos os setores de uma gravadora: do jurídico ao contábil. Espertalhão, pagou muitas vezes seus músicos com erva, inclusive aqueles que nunca fumaram, pararam ou tinham que levar comida para casa.

Há também os shows em que Tim Maia não apareceu, para desespero dos empresários. Drogas, problemas pessoais, birra, quem sabe? Não poderia ele estar em alguma missão, que a nós não é permitido descobrir? Pioneiro do jeito que era (e a Seroma é prova disso), poderia ele fazer parte de alguma liga de super-heróis tupiniquins ou, também não impossível, tendo uma viagem nesse sentido.

A vida de Tim Maia é tão grande que mal coube em uma biografia ou em entrevistas ao Jô Soares, não seria em um texto de blog que caberia. Mas em um HQ, quem sabe....

Para mais detalhes da vida de Tim, incluindo outras frases, há a biografia dele Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia, de Nelson Motta (de onde retirei as frases acima). Há também as entrevistas dele ao Jô Soares, disponíveis no YouTube.

Quem mais você, caro leitor do Cultura HQ, acha que deveria virar HQ? Deixe um comentário sobre isso e ganhe um Muito Obrigado de todos nós!

sábado, 8 de maio de 2010

A (nova) Hora do Pesadelo

(Do sofá! seção off topic sobre vídeos, filmes, tevê e o que mais o fim de semana possa (nos) oferecer)


ATENÇÃO: este texto pode conter spoilers indesejados


Não era a intenção ver A hora do Pesadelo hoje, pretendia ver Homem de Ferro 2 e, quem sabe, fazer um post para o blog, seguindo nossa "linha editorial'. Felizmente não me decepcionei e acabei me animando para comentar o filme. Como disse antes, não tinha intenção de assistir o filme e por isso nem me "preparei" vendo antes o original e/ou algumas das sequências. Sala vazia, num cinema de setes salas que por todo o fim de semana exibirá apenas 4 filmes (A hora do pesadelo, Alice nos país das maravilhas, Homem de Ferro 2 e Chico Xavier)! Mas vamos ao filme.

O ar retrô me agradou. Mesmo tendo sido avançada para os anos 2000, com a "origem" de Freddy se dando na década de 90, a ambientação ficou parecida com a dos anos 80. Bom notar que os subsolos com canos aparentes e fumaças permancem, como coisa da mente de Freddy, seu modus operandi, assim como os ambientes degradados e alagadiços dos quais as personagens em vão tentam escapar.

Outro elemento que também me chamou a atenção foi o timing do filme, também muito parecido com as "coisas dos 80". Quem assiste os flmes de hoje pode estranhar e achar até "lento", em função do ritmo cada vez mais frenético das produções atuais. Ainda assim, há os bons sustos e surpresas. Nada exagerado também no modo de eliminar suas vítimas utilizado pelo ex-jardineiro que tanto amava as crianças do colégio infantil.

Destaco também a atuação de Jackie Earle Haley que me foi bem convincente como Freddy, o que era de se esperar, visto seu papel como Walter Kovacs/Rorschach, em Watchmen, e como o Guerrero de Human Target. Quanto ao roteiro, como já disse, não pretendia comparar o original e o atual, portanto ficam as impressões deste último. O roteiro veio bem amarrado, fechando mais a história e ligando de forma mais direta o assassino e sua vítimas. Claro que há aquelas "coisas de filmes", todo mundo se ferrando e uma descrença geral até realmente não ter mais volta. Permanece o abuso de crianças e a eliminação do jardineiro por parte dos pais enfurecidos e, claro, há um bom mote para uma sequência da 'franquia", como os estúdios bem gostam de falar atualmente (o que pode sim ser um pesadelo).

De resto, se você nunca ouviu falar de A hora do pesadelo, talvez seja melhor ir ao cinema antes e depois ver as antigas versões. Se você acompanhou até aqui a saga de Freddy Kruger e está com pé atrás, talvez deva se despir dos preconceitos sobre reboots e conferir essa versão. Afinal, o pesadelo pode retornar quando você menos espera. Melhor não cochilar!

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No CAPACITOR há uma boa e breve retrospectiva sobre A Hora do Pesadelo.

No OMELETE, pra variar, um dossiê completo sobre o filme.

Abaixo segue o trailer do filme:


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juniores rodrigues

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Dica de sexta: Com grandes poderes...

E novamente alguém resolveu recontar a origem do Homem-Aranha! Grande! Foi o que pensei quando me deparei com a edição de Com grandes poderes... da Panini, numa livraria. Lembrei-me de um breve comentário que li sobre a HQ e decidi “tentar a sorte”. E tive sorte. Com grandes poderes... não é apenas uma recontagem da origem do aracnídeo mais querido da vizinhança. O que David Lapham leva a cabo é um preenchimento do período entre o acidente com a aranha radioativa e o evento trágico (no melhor sentido que os gregos poderiam esperar) que mudaria para sempre a percepção de Peter Parker sobre o que é ter grandes poderes, ser o cara e estar por cima: a morte do tio Ben!

Enquanto isso não ocorre, O Espertacular Homem-Aranha desfruta de seu crescente prestígio no (sub)mundo da luta livre, recheado com suas trapaças e seduções as mais variadas, e, como poderia ocorrer a todo adolescente, fica ofuscado pela fama repentina, agindo de forma displicente, mentindo para sua família, enquanto tenta ganhar a garota mais famosa da escola. De maneira inteligente, em consonância com a arte de Tony Harris, percebemos que o percurso de um grande herói, antes dos vilões e das grandes aventuras, é recheado de tentações, muitas das quais ele não irá resistir, até que esteja realmente preparado para assumir seu lugar num mundo de grandes responsabilidades.

Ah! Se tudo isso ainda não te convenceu, quem sabe a surpresa que acompanha a HQ lhe recompense por acreditar na dica e “tentar a sorte”.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Gilgamesh II – início, meio e fim.

por juniores rodrigues

Jim Starling é conhecido por ter o dedo certo para sagas cósmicas, tendo trabalhado tanto para a Marvel quanto para a DC Comics, em títulos como Batman, Superman, Justiceiro, Vingadores, entre muitos outros. Destacaremos do conjunto de seu trabalho a minissérie Gilgamesh II, de 1989. Se você está se perguntando ou foi pesquisar no oráculo pela primeira parte dessa história, provavelmente vai ficar um pouco confuso, pois Gilgamesh II é mesmo uma obra única, sem prévias e sem sequências. Bem... é mais ou menos isso. Pelo menos no que diz respeito ao quesito prévia, uma vez que o "II" do título se refere à Epopeia de Gilgamesh, rei de Uruk, na Mesopotâmia, que seria anterior às epopeias homéricas, sendo considerada uma das mais antigas referências ao dilúvio (bíblico), embora tenha sido descoberta apenas “recentemente” na história do mundo. Essa epopeia narra a história do rei Gilgamesh, parte homem parte deus, e sua busca de respostas para a questão da vida eterna, busca iniciada pela interrupção da forte amizade que o rei mantinha com Enkidu, seu parceiro de aventuras.

Com essa breve descrição da primeira “edição” de Gilgamesh, passamos ao texto/traço de Starling. Situada para algum ponto além dos anos 70, a história tem início com o fim de uma raça, isto é, com sobrevivência de apenas dois espécimes machos de uma raça alienígena que se vê obrigada a abordar a terra, sendo derrubada por uma arma nuclear americana. Isso por si só já dá a tônica do pano de fundo inicial de Gilgamesh II, a Guerra Fria. E é utilizando esse conflito que Starling torna verossímil a ascensão desse “semideus” entre os homens. No melhor estilo Arthur Clarke de “limpar” de suas histórias os modelos políticos e econômicos do século XX, Starling “resolve” os problemas do mundo, após longa e sangrenta guerra, através do controle corporativo, capitaneado pelo seu melhor guerreiro, aquele que se torna o Presidente Gilgamesh.

Resolvendo essa questão, Starling pode introduzir em sua história elementos de alta tecnologia, o que ajuda a conferir ritmo à trama, aliados a um traço minimamente realista, limpo, conciso, com cores fortes, condizentes com uma aura de mundo avançado, com destaque para o que realmente importa. Desse modo, batalhas dignas dos épicos têm seu lugar nessa minissérie, devidamente registradas por um forte aparato midiático. Se o toque sci fi permance inconcluso em suas possibilidades, a abordagem da mídia e seu modus operandi, por vezes aliada a interesses escusos e imorais, é bem destacada por Starling e parece permanecer nesses mais de vinte anos que sucederam essa publicação.

Assim, totalmente pleno de realizações e tendo o controle do mundo corporativo, apesar da constante presença de sua controladora mãe adotiva, Gilgamesh vê seus dias passarem imersos no tédio a que os “deuses” estão sujeitos quando o mundo aprende a caminhar sem eles. Mas é do ardiloso mundo corporativo que virá novamente a aventura para sua vida. Em missão nas florestas da América do Sul, o presidente conhece Otto, único ser capaz de se igualar a ele em força, descobrindo posteriormente o parentesco entre os dois (a cruel ironia do destino). Amizade firmada, é o veneno corporativo que também vai tirá-la da vida de Gilgamesh, o que o faz iniciar a busca de um sentido maior para a existência e mesmo a possibilidade de seu controle. O presidente parte então para o grande vazio que consumiu a URSS e a Europa Oriental, mergulhando nele em busca de respostas que talvez nunca possa obter.

Dramática e envolvente, Gilgamesh II faz a ponte entre o início de nossas mitologias, passando pelos medos do presente (1989, a Guerra Fria e o caos atômico iminente), com o possível fim da vida humana na Terra, não sendo só uma história de aventura, mas também um aceno para o interior de todos nós, das nossas incertezas e medos, sobretudo o medo inconfessado da impotência diante do “destino final” escrito para cada um de nós.

domingo, 2 de maio de 2010

Skizz, de Alan Moore

por Fernanda Friedrich

Skizz é uma HQ escrita por Alan Moore e ilustrada por Jim Baikie. Diferentemente de outras obras publicadas por Moore, Skizz não ganhou tanta projeção, à exemplo de V for Vendetta, Watchmen e Liga dos Cavaleiros Extraordinários (entre outros quadrinhos do autor) que foram adaptadas para as telonas do cinema, embora Moore não seja muito fã dessas adaptações – que o diga Sean Connery! Publicada em 1983, Skizz narra a história de um alienígena – cuja forma nos remete a um simpático canguru – que, devido a problemas com sua nave, acaba parando no nosso planetinha azul para realizar alguns reparos, no que não é muito feliz: sendo o planeta azul habitado por seres com “desenvolvimento restrito”, o computador de navegação, seguindo as leis interestelares, entra em modo de autodestruição, ignorando o fato de o intérprete Shcczhz (o alienígena em questão) estar vivo e saudável – à exceção de algumas costelas fraturadas. Desesperado, o alienígena livra-se de todos os artefatos tecnológicos que possui, a fim de convencer seu computador de bordo de que a sua presença na Terra não afetará a tecnologia terrestre e pula para fora da nave segundos antes da explosão, ficando à mercê dos seres que habitam o planeta, bem como de possíveis doenças que podem o acometer. Zhcchz vaga pelo local e encontra com os primeiros seres humanos, que compara aos “macacos desenvolvidos” de Tau-Ceti, seu planeta natal. Ao ouvirem os lamentos do simpático alienígena, esses humanos, que estão brigando entre si, o perseguem pela cidade até que nosso herói consegue se esconder em um abrigo desabitado.

Ao mesmo tempo, uma adolescente chamada Roxane está sendo convencida por um garoto a deixá-lo entrar em sua casa, já que seus pais estarão viajando pelo final de semana. Infelizmente – ou pelo menos infelizmente para o rapaz –, Roxy o manda embora depois de alguns xingamentos e uma eloquente batida de janela. A adolescente entra lamentando-se e escuta um barulho na garagem; imaginando ser Darren, o cara insistente, ela sai furiosa de seu quarto e vai vistoriar o local, dando de cara com o intérprete Zhcchz.

Aí se estabelece o primeiro contato direto e não hostil de um ser humano com o alienígena. Roxy cuida do nosso querido canguru, tenta alimentá-lo – no que não é bem-sucedida, visto que nada pára no estômago de Zhcchz – e o trata com bastante atenção, o que o surpreende, visto que, durante a sua experiência com os seres humanos, Shcchz só enfrentou situações relativamente violentas e desagradáveis. Devido ao fato de que o Zhcchz, apelidado de Skizz por Roxy, não consegue se alimentar, ela vai até uma farmácia, onde compra comida de bebê e esbarra em dois amigos de seu pai, Loz e Cornelius. Ambos foram despedidos da firma em que seu pai trabalha, o que não parece preocupar Loz, mas que afeta bastante Cornelius que, ao ser questionado por Roxy como estava em relação ao seu emprego, afirma apenas “Eu tenho meu orgulho”, frase que repete várias vezes no desenrolar da história e que, de certa forma, justifica todas as suas ações. Os dois dão uma carona a Roxy e estranham – ou pelo menos Loz estranha, visto que Cornelius parece estar completamente alheio à realidade – o fato de uma adolescente estar comprando comida para bebê e lhe oferecem ajuda ao deixá-la em casa. Esse pedido de ajuda não tarda se realizar; ao encontrar Skizz, Roxy percebe que o alienígena está bastante doente e, sem saber o que fazer, chama os amigos de seu pai. Ao se dar conta de que nada podem fazer para ajudar o alienígena, Loz liga pra a emergência.

Esses acontecimentos ocorrem simultaneamente ao descobrimento dos resquícios da nave de Skizz pelo governo e de uma grande comoção para o rastreamento do alienígena, que desconfiam ser um espião. E são eles quem vão buscar o intérprete na casa de Roxy, o que acaba por tornar pública a chegada de um extraterrestre ao planeta Terra. Naturalmente, Roxy, Cornélius e Loz são questionados a respeito do que disseram a Skizz e de quais informações ele pode ter-lhes passado. A investigação é liderada pelo capitão Van Owen, que está completamente obcecado com a ideia de que Skizz é um grande inimigo que deseja destruir o planeta Terra, ignorando a possibilidade de que esse encontro pode ser pacífico – ou mesmo um acidente.

Na base militar, Skizz se recupera do resfriado aprende a falar inglês, sendo, dessa forma, interrogado pelo Capitão, que desconfia de todas as suas respostas. Enquanto isso, protestos são feitos em frente à base militar em que Skizz está sendo mantido e Roxy, Cornelius e Loz organizam uma força-tarefa para sequestrar Skizz, estratégia que funciona bem até o momento em que eles são encontrados pelo capitão, que fica obcecado pela ideia de assassinar o inofensivo intérprete de Tau-Ceti. Os sequestradores e a presa são encurralados e, então, um milagre acontece: conterrâneos de Skizz descem do céu com suas naves brilhantes para resgatá-lo das “feras” terrestres. Skizz se despede de todos, finalizando as despedidas ao receber um beijo emocionante de Roxy.

Em toda a narrativa, são fortes as referências ao filme E.T. - O Extraterrestre, dirigido por Steven Spilberg e que, não coincidentemente, estreou nos cinemas apenas um ano antes da publicação de Skizz. Porém, diferentemente do filme, o nosso simpático canguru é encontrado por uma bela garota que se preocupa todo o tempo com o seu bem-estar, sugerindo, de certa forma, um relacionamento pseudo-amoroso entre os dois personagens, ente outras diferenças; Skizz é recebido com bastante violência pelos outros seres humanos, causando uma certa confusão, que é bastante explorada durante a narrativa; ao ser questionado por um de seus conterrâneos, afirma: “Eles... Eram cruéis e feios. Havia muito ódio e desespero... E tanto amor”. Os sentimentos que Skizz passa a experimentar durante sua estadia no planeta Terra são completamente novos para ele: a raiva pelo Capitão Van Owen, a necessidade de combatê-lo durante os interrogatórios, a vontade de mentir pela primeira vez, para acalmar Roxy; todos esses episódios o aproximam dos seres humanos e, de certa forma, reforçam a ideia de que os seres humanos são intelectualmente inferiores; afinal, deixam-se guiar por emoções. Um dos personagens mais intrigantes é Cornelius, que se envolve no sequestro de Skizz devido ao fato de que também se sente um alienígena dentro da própria sociedade em que está inserido, sendo descrito por Skizz como uma criatura que “tem um certo tipo de nobreza, uma aura de força colossal, lutando contra um desespero esmagador”, o que prova-se verdadeiro no momento em que Cornelius arrisca sua vida para salvar Skizz. É uma narrativa que peca pelo não aprofundamento das várias situações de conflito e dos próprios personagens, o que é melhor desenvolvido em outras narrativas de Moore, como Watchmen ou V de Vingança, por exemplo; deve-se levar em consideração o fato de que Skizz foi publicada em apenas uma edição, ao contrário das HQs citadas anteriormente. Ainda assim, é um trabalho bastante interessante para quem gosta ou pretende conhecer a obra de Moore, além de ser uma leitura bastante divertida.