sábado, 15 de maio de 2010

Do sofá!: O soldado mais dançante

(Do sofá! seção off topic sobre vídeos, filmes, tevê e o que mais o fim de semana possa (nos) oferecer)

por Jonas Tenfen

Em uma batalha, há pouco tempo para pensar em algo mais do que matar o inimigo antes que ele “logre êxito”. Nos intervalos dos tiroteios ou nas eternas esperas em trincheiras e tocaias, o tempo, tão parco, tão fugidio, parece se dilatar, parece encerar-se no único propósito de esmagar a sanidade dos soldados que começam a sofrer pelos remorsos, lembranças e feridas de outras espécies.

É muito comum encontrarmos na vasta obra de Érico Veríssimo combatentes enfrentando seus pensamentos enquanto acalentam os rifles a espera da peleia. O primeiro volume de O tempo e o vento, que se chama O continente, se passa durante uma noite e quase cem anos: na noite mais longa do ano, a de São João, a família Cambará está sitiada no seu sobrado, aguardando um novo ataque: assim os personagens, para passar o tempo e suportar o vento, se entregam às lembranças, e, assim, entendemos os porquês e comos da situação apresentada.

Seja com clavas ou naves interplanetárias, todas as guerras são absurdamente parecidas, todos os soldados são iguais: alguns são pais, outros irmãos e tios; alguns são ricos, muitos são pobres; alguns buscam aventura, outros fortuna; mas todos são filhos. O que parece diferenciá-los, ou melhor, o momento em que é possível de fato perceber as diferença é quando as armas cessam, mesmo que momentaneamente.

O jogo dos Quatro Quatros foi criado por soldados ingleses nas suas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto aguardavam a ordem de ataque, soldados brasileiros em treinamento para a Segunda Guerra mundial, capturaram uma cobra e estavam dispostos a fazerem-na fumar (assim reza a lenda que conheço); de fato, uma atitude politicamente incorreta em treino àquilo que nos é ensinado como o mais politicamente correto, mas, salvo engano, a guerra é mais prejudicial à saúde que o cigarro. Falando em fumaça, no filme Platoon (de 1986), os soldados americanos no Vietnã espantavam as moscas e o tédio fumando maconha – entre outras coisas. Estes exemplos são mais ou menos datados, mas apostas entre soldados, esportes idiotas (quem cospe mais longe, por exemplo), avacalhações com os novatos e a partilha de sonhos e realidades sempre serão remédios corriqueiros para evitar a loucura e o desespero (se evitáveis, diga-se). Às vezes, os soldados até treinam... às vezes.

Um ótimo filme pautado mormente nesse tipo de espera é Soldado Anônimo (o título original é Jairhead, que, em uma tradução literal, seria Cabeça de Cuia), segue o trailler e uma cena emblemática:


Essa longa introdução tem seu objetivo: uma tentativa de explicar, ou mais modestamente, comentar um dos maiores sucessos das duas últimas semanas (a fama é cada vez mais efêmera) no youtube: Soldados Dançantes no Afeganistão parodiando o videoclipe Telephone, de Lady Gaga e Beyoncé. O clipe original é um mini-filme de nove minutos, um pastiche recheado de humor-negro e penteados (estes mais engraçados que aquele).

Parte da vida profissional de Lady Gaga foi fazer músicas para a Britney Spears, segundo dados do Oráculo Melhorado, a Wikipédia. Essa informação não torna o mundo um lugar melhor, mas explica muita coisa. Apesar dos sucessos monstruosos no Youtube (nenhum vídeo, até hoje, foi mais assistido que Bad Romance), Lady Gaga conseguiu fazer o impensável, o impossível: piorar o pop. Ela não é sequer mais do mesmo, é menos, muito menos, de coisa alguma. A melhor coisa da obra de Lady Gaga – desde o que já conhecemos ou o que está por vir – são as paródias dela e, aqui, ponto para os Soldados Dançantes. O clipeTelephone, de Gaga, termina com os estilosos dizeres To be continued... Basta saber se isso é uma promessa ou uma ameaça.

É claro que não poderíamos esperar a leveza de bailarinos do bolshoi ou a ginga de Carlinhos de Jesus, afinal, antes de Dançantes, são Soldados. E, como manda a rígida etiqueta militar, os cabelos estão sempre bem aparados, o que impossibilita penteados à la Gaga. Os cenários, ao que tudo indicam, são dois: um alojamento e uma garagem, que, ambos dentro de um campo militar, não se afastam tanto assim de uma penitenciária.

Os Soldados Dançantes levam a sério o convite que lhe foi feito: Enjoy the Army. Faltam-me informações para saber se são do exército, mas mesmo que sejam da marinha, o convite é semelhante: Enjoy the Navy. Aproveite, deguste, enjoy. Eles são os melhores dos melhores, treinados e selecionados durante os mais sádicos testes e provações para, agora, alcançarem a glória suprema dos dias de hoje, enquanto aguardam a glória eterna de terem vencido uma guerra: se tornar um viral na internet (e sem ser em uma fail compilation).

Entre passos elaboradíssimos e coreografias ímpares, o grande destaque do vídeo é o Soldado Mais Dançante, o único que faz participação solo. A situação no Afeganistão está muito longe de ser resolvida, mas, ao que tudo indica, a dança da vitória está muito bem ensaiada.

PS: não é sem uma certa ironia que podemos analisar os Soldados Dançantes ao som das seguintes palavras: Hello, hello, baby, you called, I can't hear a thing / I have got no service in the club, you see, see / Wha-wha-what did you say? Oh, you're breaking up on me / Sorry, I cannot hear you, I'm kinda busy / K-kinda busy, k-kinda busy / Sorry, I cannot hear you, I'm kinda busy

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